27/04/2020 23:11 - #CORONAVIRUS
Garantir o pagamento das parcelas da casa própria, do carro usado para trabalho ou até mesmo, nos casos mais drásticos, das compras de supermercado para os filhos não tem sido tarefa fácil para muitos motoristas de transporte escolar. Parados desde o mês de março, quando as aulas acabaram suspensas em decorrência da pandemia do coronavírus, muitos profissionais viram a própria renda cair a zero. Alguns conseguiram negociar com os pais dos estudantes o pagamento de parte da mensalidade combinada no começo do ano, outros, não. Como não há previsão para retorno das atividades escolares, muitos já traçam as contas na ponta do lápis e escolhem quais delas conseguirão pagar no próximo mês.
A situação é tão crítica que nesta segunda-feira (27) um grupo de motoristas participou de uma carreata que partiu da praça dos Trabalhadores, em Contagem, na região metropolitana, e passou pelas sedes das prefeituras de Contagem e Belo Horizonte. Os organizadores estimam que cerca de 200 dos que prestam serviços de escolar, fretamento e atividades turísticas acompanharam o ato. O objetivo era protestar contra a ausência de medidas dos governos para ajudá-los financeiramente. Entre as reivindicações da categoria estão o pagamento de um auxílio no valor de um salário mínimo, doação de cestas básicas a esses profissionais e suspensão dos planos de financiamento dos veículos.
Apesar de o movimento ter contado com um número tão significativo de motoristas da categoria, muitos não puderam comparecer por não conseguirem sequer, nesse momento, custear o combustível necessário para participar da carreata. “Nós percebemos um impacto psicológico enorme nos motoristas, as financeiras estão em cima de nós cobrando prestações, ameaçando recolher os carros que usamos para trabalhar. Esse é o único sustento de muitas famílias, é uma pressão psicológica muito grande. Alguns que queriam estar na manifestação não vieram porque não estão bem para sair de casa ou não tem combustível. Outros só conseguiram vir porque a Comissão dos Transportadores preparou uma vaquinha para ajudá-los a pagar o combustível”, como detalha Valdeir Geraldo Batista.
Conhecido pela alcunha de “Valdeir do Escolar”, o homem de 52 anos é uma das lideranças do movimento pelos direitos da categoria. Recebidos pelo prefeito Alex de Freitas (sem partido), de Contagem, os manifestantes pediram que lhes fossem doadas cestas básicas para sobrevivência nesses tempos de paralisação. O pedido foi acatado. Responsável pelo transporte de cerca de 60 crianças para escolas na região metropolitana, Valdeir está entre os motoristas que perceberam uma queda brusca em sua renda de uma hora para a outra. “Os transportadores escolares não têm nenhuma renda fixa. Se trabalham, recebem, se não trabalham, não recebem. Os bancos, as instituições financeiras continuam cobrando. É um momento muito difícil”, comenta.
Como ele, existem outros motoristas que não sabem como se manterão nos próximos meses caso a pandemia de coronavírus perdure por mais tempo em Minas Gerais. É o caso de Natanael José Almeida dos Reis, de 31 anos. Apesar de ter recebido apoio de muitos pais, que concordaram em pagar parte da mensalidade inicialmente combinada, o motorista não sabe como pagará as contas de casa e despesas do carro no próximo mês.
Pai de uma menina de apenas dois anos e nove meses, ele conta como única renda familiar o transporte escolar de crianças de bairros de Santa Luzia, na região metropolitana, para um colégio em BH. A esposa, com quem mora, também atua no ramo, o ajudando a garantir a segurança das crianças que são transportadas. “Eu carrego no carro 39 crianças, no total. Alguns pais vão nos pagar, nós estamos negociando. Os pais que puderem pagar em dia, mesmo com desconto, eu quero ajudar lá na frente, agradecer por isso. É uma mão estendendo a outra. Mas tem pais que realmente não querem pagar nada”, comenta.
O maior aperto para ele, que mora de aluguel e ainda precisa quitar o financiamento da van, é não conseguir oferecer o básico à filha. “Minha ‘pequetitinha’ vira para mim e fala: ‘Papai, quero iogurte’, como se diz, ela não tem muita noção do que a gente está passando. Para a gente que é pai, é realmente dolorido. Você vê que estão faltando as coisas dentro de casa e não tem de onde tirar”, conta. A família conseguiu pagar todas as contas do mês de abril, mas não sabe se poderá repetir o feito em maio. “Eu conversei com o dono do barracão onde moramos e deu para dar uma segurada. A minha prioridade hoje é alimentação em casa, as contas infelizmente vão ter que esperar”, completa.
Sem opções
O transporte de crianças para escolas é a única fonte de renda para muitos motoristas. Outros, como opção para complementar, costumam realizar fretes ou excursões em cidades do interior. Contudo, desde o aparecimento dos primeiros casos da Covid-19 em Minas Gerais, esse tipo de trabalho tornou-se cada vez mais escasso, e agora já não há quem contrate os motoristas para fretes ou viagens. “O carro é minha única fonte de renda. Trabalho com escolar e faço fretes aos fins de semana, só que com a pandemia parou tudo. O escolar está parado e não tem como fazer frete porque gera aglomeração de gente. Isso me deixou sem ganho nenhum, sem recurso nenhum”, explica Natanael.
A situação dele é bastante parecida com a de Vinícius Mendes de 29 anos. Motorista de escolar há quatro anos, ele não tem outras opções e não sabe como se manterá financeiramente nos próximos meses. “A maioria dos motoristas não tem outra opção. São poucos os que têm, por exemplo, um carro na garagem para poder rodar com aplicativo. Eu não tenho, não dá para ter porque a van já é muito cara, gira em torno de R$ 70 mil ou R$ 80 mil para comprar uma mais velha. Então quem tem van, dificilmente consegue ter carro. A gente opta por comprar uma van mais nova ao invés de ter carro particular, porque ela é o nosso ganha-pão”, conta ele que é pai de duas crianças pequenas, uma de seis anos e a outra de apenas um ano e dois meses.
Com o veículo próprio quitado, Vinícius está preocupado em como se desdobrará para pagar a parcela de seu imóvel caso as aulas continuem suspensas por muito tempo. A parcela da casa lhe custa pouco mais de R$ 2.000. e fora esse gasto fixo precisa quitar outras despesas básicas como água, energia elétrica e gás. “O que eu ganhei esse mês não deu pra pagar nem metade do que eu tinha que pagar. Eu carrego cerca de 45 pessoas no meu carro, 30 crianças para escolas de manhã e de tarde, e a noite alguns adultos para uma faculdade em Contagem. Desse total, só 30% dos responsáveis quiseram negociar e estão pagando a metade da mensalidade. Acaba que, com isso, não consigo me manter”, conta.
Apoio
A motorista Zaira Estefânia Salatião, de 44 anos, trabalha com transporte escolar há cerca de duas décadas. Ela está entre o seleto grupo de profissionais que contam com apoio de pais e responsáveis para conseguir pagar as contas. “Toda minha renda é do transporte escolar, tenho dois filhos adolescentes. Logo que começou a pandemia, entrei em contato com os pais dos alunos, e foi muito tranquilo, alguns contratam meu serviço há muitos anos. Minha situação não é das piores, mas alguns amigos têm encarado dificuldades maiores. Muitos têm prestações para pagar, despesas pessoais…”, lamenta.
Proprietária de dois ônibus, ela é responsável pelo transporte de cerca de 80 crianças para uma escola particular de Belo Horizonte. Vivendo dias mais tranquilos que outros colegas, ela integra um grupo de motoristas unidos para prestar apoio àqueles com problemas financeiros. “Nós estamos fazendo vaquinhas para ajudar os nossos amigos transportadores escolares, juntando para cesta básica, para conseguirmos contribuir”, comenta.
Auxílio financeiro
Com a suspensão por tempo indeterminado das aulas, o Procon-MG publicou na semana passada (quarta-feira, 22) uma nota técnica para orientar como motoristas e famílias podem negociar o pagamento das mensalidades. O órgão indica que o ideal é uma redução no valor das mensalidades, mas não o corte completo do pagamento. Contudo, muitas famílias pararam de pagar aos motoristas. Alguns, inclusive, tentaram pedir o auxílio emergencial do governo brasileiro, mas não conseguiram receber a quantia de R$ 600. “Nós tentamos acordos com os pais, mas a maioria não aceitou. Acho que cerca de 5% dos pais é que estão acatando. A situação é muito difícil e o auxílio emergencial não contempla a categoria dos motoristas. A renda foi a zero”, explica Valdeir, que é presidente da Comissão de Transportadores Escolares de Contagem.
A manifestação organizada pelo movimento nesta segunda-feira (27) já começou a render frutos: segundo os líderes dos transportadores, o prefeito Alex de Freitas (sem partido) acatou o pedido de distribuir cestas básicas para a categoria, assim como permitiu que o ano de validade do veículo para circulação na cidade fosse esticado em 2020. O panorama também é favorável em Belo Horizonte, onde a BHTrans informou que serão distribuídas 1.770 cestas básicas a motoristas do transporte escolar. Segundo o órgão de trânsito da capital mineira, outro benefício à categoria será a prorrogação do prazo de vencimento do Registro do Condutor (RC) e da Autorização de Tráfego (AT), em caráter excepcional, até 29 de maio.
Fonte: LARA ALVES | SIGA-NOS NO TWITTER @OTEMPO
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